SÃO FRANCISCO, O LIBRIANO DE ASSIS
Antonio Carlos Scavone
Hoje, já no Terceiro Milênio, com avanços tecnológicos jamais imaginados e com as perspectivas que se abrem para o ser humano e a Humanidade, o fascínio de uma figura singular permanece intacto: São Francisco de Assis.
A época em que viveu, soa-nos muito distante, mas, como gênio religioso, ultrapassou-a e eternizou-se. As obras que diversos artistas, escritores, intelectuais, filósofos e místicos têm-lhe dedicado ao longo dos séculos, mostram-nos, mais do que as palavras, a sua importância na Cultura Ocidental. Nem mesmo o cinema escapou desse reconhecimento.
Sua época, o século XIII, estruturava-se social e politicamente no regime feudal. Nele, havia descentralização do governo. Quem possuía terras, tinha o direito de governá-las, com autonomia e regras próprias. A Cavalaria era o código social e moral do feudalismo, o conjunto dos seus mais altos ideais e a expressão de suas virtudes. Na Literatura, eram comuns os romances de cavalaria. E as grandes Cruzadas concretizavam muito dos ideais e ambições dessa época. As classes comercial e industrial ocupavam lugar de destaque, o sistema bancário deslanchava. A palavra de ordem era dinheiro e riqueza. Todo o rumo da civilização ocidental caminhava para a afirmação do homem e a valorização da existência terrena.
É fácil imaginar o impacto que São Francisco causou dentro desta sociedade. Tanto por suas idéias, como por seu exemplo pessoal.
Personificou as eternas aspirações de simplicidade e bondade, levou uma vida de glorificação da humildade e da mais absoluta pobreza. Desde cedo, os princípios da renovação e transformação, ativos no seu Mapa Astral, na área referente aos bens terrenos mostravam a força de sua presença.
O pai negociava para acumular; o filho, para gastar. O pai reconhecia-o como um ótimo caixa, e de fato era. A presença do planeta da expansão no signo da comunicação e negócios, na área do trabalho, ajudava-o nesta tarefa. Era capaz de atrair clientes e também dinheiro.
A força uraniana do rompimento, comandando seus valores e inconformado com a estabilidade taurina herdada da família, conduziram-no a um caminho totalmente seu, em termos de comportamento social.
Por isso foi considerado louco por seus contemporâneos. Não podiam entender como alguém que era rei de sua juventude, herdeiro de invejável fortuna, de família tão abastada poderia optar por uma vida de total renúncia aos bens terrenos. O princípio da dissolução e espiritualidade impregnaram-no de uma profunda compaixão humana. A prática da caridade começou cedo. Compreendeu que era fundamental a sua caminhada.
Aos 23 anos, ainda estava iludido pela possibilidade de abrir um caminho no mundo, através da guerra e cobrir-se de glórias. Tendo o princípio da autoafirmação e vontade na área da filosofia de vida, no signo do utilitarismo, Francisco ainda confundia um pouco a forma como deveria impor suas idéias. Deveria sim ser um guerreiro, lutar por elas, mas de uma maneira exemplar, onde o modelo cotidiano falasse mais alto. Logo abandona o ideal das armas, mas a têmpera de soldado nunca perde. Áries era o fundamento da sua personalidade. Sua vida foi uma vida de lutas, lutou até a morte. Apenas trocou as armas e assumiu com plenitude o ideal cortês, na ação e na linguagem, através de sua alma de poeta.
A época em que viveu estava impregnada de um clima de amor e poesia. O trovadorismo provençal era a tônica dominante na literatura. Essa cantava, sobretudo, as flores de maio, o canto dos rouxinóis e a brisa da primavera. O grande tema, entretanto, era o amor cortês, onde a mulher era uma aspiração não correspondida, uma mulher inatingível. Esse ideal amoroso estava profundamente ligado ao culto de Maria. Era, portanto, de fundo místico e religioso. E, sem dúvida, muito afim com o ideal franciscano.
O lado artístico era muito forte em São Francisco. Tendo o núcleo de sua individualidade e seu princípio de comunicação em Libra, era-lhe inerente o senso estético. Muito jovem começou a trovar e tocar alaúde e durante toda sua vida, o canto e a poesia foram canais poderosos na sua expressão ideológica. Tendo o signo da natureza regendo a área da filosofia de vida, sua poesia expressa uma verdadeira comunhão com o sol, a lua e os quatro elementos: o ar, o fogo, a água e a terra. Na base de sua filosofia, a presença do signo de Peixes, dava-lhe uma profunda e imensa fé na unidade do Cosmos. E outro não poderia ser o seu caminho que não o de ligar a poesia e a mística. Dentro da sua função social, regida pelo signo da harmonia e da beleza (Libra), ser poeta e cantor era — radicalmente — o cotidiano do seu agir no mundo.
Nesse sentido, São Francisco foi um pensador que precedeu a Era de Aquarius. Nela, os artistas serão os filósofos e usarão a Arte para veicular suas idéias. A sensibilidade para captar a Natureza e os seus seres, além da pura e simples questão fenomenológica, derivava da presença da Lua e Vênus no signo de Virgem (a raiz de terra) e na área da transcendência da matéria. Era capaz de descobrir no fenômeno, a essência das coisas; de captar a consciência cósmica e de se comunicar diretamente com as esferas cósmicas. O Cântico das Criaturas é a sua obra máxima. Seus seis símbolos fundamentais são os quatro elementos e o sol e a lua. É um verdadeiro hino à unidade da criação. Expressa uma espiritualidade que nem sempre foi muito bem compreendida no correr dos séculos. O fato de O Cântico ser o primeiro poema da literatura italiana tornou-se o objeto de estudo dos críticos e literatos, desde o ano de sua composição (1225), muitas vezes em detrimento de sua mensagem maior.
Sua geminiana identificação e libriana concentracão, no que se refere ao outro, teve na figura de Cristo, o grande modelo. Guiou- se pelos mesmos princípios de seu Mestre, repetindo muitos de seus atos, cristianizando-se. Doze eram os seus companheiros, como os apóstolos; as chagas de Cristo reapareceram no seu corpo, como estigmas, até mesmo o iejum de 40 dias e 40 noites foi experimentado. Não só se identificava como precisava se transformar via o Cristo, daí sua entrega total a ele. E se sentia impelido a transformar o outro e a trazer essa capacidade de transformação para o grupo, tendo nesta fonte sua grande alegria, trazendo para terra seus ideais maiores.
São Francisco se constitui, hoje, pela Arte e Religião que inspirou, um verdadeiro arquétipo da humanidade ocidental.
No séc.XX, na década de vinte, suas ideias tiveram um pequeno e poderoso núcleo nos Alpes Suíços, num ashram onde a bailarina Isadora Duncan, o filósofo e escritor Herman Hesse, e o fundador da Antroposofia, Rudolf Steiner vivenciavam e pregavam uma filosofia de vida que, na década de sessenta globalizou-se através dos hippies. Uma outra relação com a Natureza, o corpo, a saúde, alimentação e amamentação natural, agricultura orgânica e a integração mais profunda entre a cultura ocidental e a oriental via a prática da Yoga e da Medicina Chinesa. Foi o século quando a Ecologia se tornou uma política de Estado. E sem dúvida, São Francisco é um padroeiro dela.
No séc. XXI, a eleição de um novo Papa, vindo da periferia, e assumindo uma postura e um nome franciscano, num momento de crise da Igreja e do Romanismo, reafirmam a força desse arquétipo. Assim, os setecentos anos que nos separam de sua presença física, não diminuíram a força da presença de sua luz. Sem ser grego-romano, é o mito moderno de Libra, inscrito no astral de nossa civilização temo e belo, comovente e fascinante.
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